África e Sertão: à Maneira de um Manifesto
Por Micheliny Verunschk
Tomamos a África pela mão direita e o Sertão pela mão esquerda.
Ela, nossa mãe desconhecida.Ele, nosso pai imaginário.
Dos berberes e soninkés é nossa carne de areia.
Dos vaqueiros encourados é nosso sangue mais denso que o real.
Nossa mãe multiplica sua face no sexo das meninas violadas, infibuladas,prostituídas.
Nosso pai multiplica seu coração no peito dos meninos abandonados,alcoolizados, à margem da margem de um rio seco e pedregoso ao qual chamamosde História.
Nossa mãe tem os olhos do céu de Moçambique.
Nosso pai tem a pele do poente do Moxotó.
Declaramos que nossa mãe está na fala, no sabor, na dança e na música quenos move a alma.
Declaramos que ela é múltipla e única, terrível e bela.
Mas não a conhecemos senão pela História, que é sempre parcial, pelasestatísticas que são sempre sem rosto ou peso de carne humana,
pelo olhofotográfico que ousa nos dar a cara do nosso tempo mas que nem sempre revelaque um ponto de vista pode ser também uma trave que nos impede a visão.
Declaramos que nosso pai está no esqueleto de concreto de toda cidade dessepaís, que sua fala acentuada é a marca de nossa memória,
que sua coragem é oterritório ao qual ainda não nos aventuramos por completo.
Nosso pai e seu rosto ainda por se construir.
Nosso pai e seus mitos por seconfirmar.
Nossa mãe e nosso pai ainda mal contados, mal traçados, e ainda que amados,tão mal-amados.
Nossa mãe e nosso pai, tanto sol, tanta escuridão.
África e Sertão, de mãos dadas.
Tão pobres.
Tão ricos.
Tão distantes.
Tão unidos.
Na mina que explode, no vírus que explode, na fome que explode.
Na beleza que é potência, na vastidão que é potência, no vir-a ser que épotência.
África e Sertão.
Minha mãe, meu pai.
Tua mãe, teu pai.
Nossa mãe, nosso pai.
África e Sertão.
Terra prometida.
Colo desejado.
Expectativa.